A fonte que faz “véia virá minina”

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Recentemente restauradas, depois de longo tempo de abandono, três bicas de Olinda me lembraram as que a gente vê pelas ruas de Salvador, ainda funcionando. Porém, me fizeram recordar muito mais essa que visitei recentemente em Itaparica, também na Bahia. Tradicionalíssima, e datada do século 16, ela nunca parou de funcionar. E até hoje é muito solicitada pela população daquela Ilha, que enche garrafões, devido à excelente qualidade da água, tão boa e “tão fina” que “faz véia virá minina”, segundo reza a tradição local.

A Fonte da Bica – como é mais conhecida –  já existia “quando dos fins do século 17, foi fundado o povoado de Ponta de Cruz”. Em 1842, onze anos após a criação da Vila de Itaparica, foi construído reservatório de “pedra e cal” na fonte, que “conservou até aquele tempo sua feição primitiva”, de acordo com o historiador baiano Ubaldo Osório (1883-1974) que assina um texto reproduzido nos azulejos, que resgata a história da fonte. Conta ele que, antes disso, havia um simples regato no local, de “águas límpidas e frias”, que corriam “em bicas de bambu, para o Poço das Pedras”, onde “os aguadeiros apanhavam a preciosa linfa para o abastecimento da população”.

Utilizada desde o século 16, a Fonte da Bica faz “véia virá minina”. Virei “menina”, antes mesmo de beber sua água.

“Eh! Água fina, Faz véia virá minina”, dizia o pregão utilizado pelos aguadeiros, ofertando o líquido precioso, nas ruas de Itaparica, pelos idos do século 18. O que é bom, é que ao contrário das de Olinda – que sofreram muita depredação – a de Itaparica até hoje funciona e suas águas são utilizadas sem problema.  A Fonte da Bica chegou a funcionar como “uma das atrações da cidade praeira”, porque suas águas eram prescritas como remédio natural para “a complexa ferrugem humana das intoxicações ou da velhice”. Eram recomendadas, também, para “distúrbios digestivos, polineurites, beribéricas”.

Fiquei realmente encantada em ver uma fonte tão antiga, ainda funcionando, e com sua água sendo largamente utilizada pela população. Além da Fonte da Bica, há outras torneiras, na mesma Praça onde ela fica, onde as pessoas matam a sede, mesmo sabendo que não é fácil uma “véia virá minina”. Aliás, Itaparica, na verdade, me fez lembrar outra Ilha, a de Itamaracá. Aquela, bem cuidada, com praias de águas cristalinas, com seu patrimônio histórico preservado e sem pichações que a gente vê em monumentos históricos de Itamaracá, aqui em Pernambuco. Linda, Itamaracá não tem sorte, apesar de sua história. Os gestores que nela se sucedem, não zelam como deveriam nem pelo ambiente natural nem pelo patrimônio arquitetônico. E o turismo, infelizmente, não passa cá de atividade predatória, com toneladas de lixo que se acumulam nas areias de suas praias.

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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Letícia Lins e Fernando Batista / Cortesia

 

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